domingo, 8 de abril de 2012

A fada azul

Minha mãe é uma daquelas pessoas que se pode chamar de interessante.  É amante do vinho e da boa música. Entre as cantigas de ninar de seu repertório, Chico Buarque fazia parte. Interpreta fatos, filmes. E a família para ela telefonava, porque volta e meia interpretava também os sonhos. Não combina roupas. Há algum tempo esse vício se apresenta de forma mais acentuada, blusa e calça não ornam com nada. E o sapato, ah... o que era o sapato? Senão um detalhe sem importância no todo.
Ama os animais e sabe ser amiga deles. Os cachorros gostam dela, os peixes, os passarinhos. Com ela aprendi a amar as árvores de flores amarelas, lilás, azuis. Os girassóis. O mar, o sol. E caminhar com ela, em qualquer lugar, me dá sempre a sensação de estar ao seu lado na beirinha de água no mar.
Tem um riso fácil e alegre. E de todas as piadas, há sempre uma que a faz chorar. Não consegue conter-se e acabava por divertir todas as pessoas. Não pela piada, mas pelo riso. É sempre ocupada com alguma coisa. Levar a tia ao médico. A avó na padaria. O filho do sobrinho da vizinha lá em Piracicaba porque o menino estava doente e havia uma benzedeira de quem ouviram falar bem. É toda ela carregada de artigos para doação. Não havia oportunidade em que abrisse o porta-malas do carro e encontrasse espaço para por compras e sacolas. Estava tomado de donativos. Aos pobres, ao asilo da Vila Diva, ao bazar beneficente. Estava sempre metida em arrecadar um panetone, um ovo de páscoa ou um par de meias para alguma família carente. Vender rifas para alguma obra assistencial, doar a cesta básica, procurar um médico decente para atender aquela menina doente.
É cercada de amigos. Porque irradia ternura. E estar ao seu lado, parado e em silêncio, é o suficiente para sentir paz.
Por mais agitado que estivesse o programa, onde quer que recostasse a cabeça, dormia. Lenta e profundamente. Chegava a sonhar.  Mas quando o telefone tocava, uma, duas, sete vezes, para então ser atendido, quando a questionávamos, nunca estava dormindo.
Diverte-se com as crianças como com os adultos. Ri das gracinhas deles. E conta aos outros, controlando-se para conter o riso. Aberto. Inocente. Ríamos todos, dos apelidos, da gozação da criançada na escola, da graça que ela encontrava neles.
Todo pequeno programa adquire a importância de um evento. Uma caminhada, um almoço, um show no parque ou no camarote, tem para ela o mesmo valor. Nada a faz escrava. O dinheiro, o carro, a casa. Gosta é de gente ao seu redor, enchendo a sua casa de bagunça, de vozes falando todas ao mesmo tempo, junto com o latido do cachorro, a campainha, o jogo de futebol a todo volume na televisão.
É religiosa, de alma ecumênica. Se a chamassem para a inauguração da capela em Nossa Senhora do Bom Jesus, lá estava ela. Se o convite fosse para assistir a peça das noviças do interior paulista, comparecia também. Respeita as crenças, os ritos, os templos. Acima de tudo, respeita as pessoas. E por isso, dá um significado todo particular a cada um dos acontecimentos.
Tem dentro de si todos os sonhos do mundo. É professora, amiga, filha, companheira, esposa. Mas de todos os papéis, o que nos faz mais felizes, é o seu papel de mãe. É toda generosidade e amor. Perdão. Afeto. Caridade. E todos os problemas, todas as dores mais profundas do nosso coração, tornam-se suportáveis ao seu lado. 
Oswaldo Montenegro compôs uma canção. A canção de minha mãe. Chama-se fada azul. Diz assim:
“Ela canta as fases da lua, tece o vento e o ar rodopia. Põe no colo os bichos das ruas, põe no chão quem quer correria, põe a mão de alguém entre as suas, e é o nascer de um sol, mais um dia.
Do aroma rosa da arte, ela extrai a cor da alegria. Do lilás do olhar de quem parte, faz o azul de quem ficaria. Do vermelho ardor do estandarte, do nascer do sol, mais um dia.”

Parabéns, mãe....Eu amo vc.