quarta-feira, 1 de maio de 2013

Essa menina


Brincava de boneca quando sentiu um fio tênue de sangue lhe escorrer pelas pernas. Aconteceu. Sabia o que era. Haviam lhe explicado. Sentiu-se extasiada como se um breve sopro de vida lhe tivesse sido concedido assim, de repente. Um calor morno no peito. Um choque. Sabia que aconteceria. Mas já? Um medo? Sim. Um medo.
Olhou para as bonecas como se outra pessoa se ocupasse delas agora. Mas onde abrigaria
essa menina grande que brotara dentro dela? Se só conhecia a casa da árvore, a amarelinha e o picolé de coco? Talvez pudesse camuflá-la essa tarde no esconde-esconde com as crianças da rua. Mas não. A achariam. Era grande a menina. Deu-se conta de que não mais poderia escondê-la. Como um corte na face. Como um dente que cai.
E gostava do que essa menina? Tinha medo das respostas dela. Aprenderia a dançar, namorar, mentir, brincar. Seria má essa menina? Sentia raiva dela. Desse abrir de portas sem bater, escancarando as janelas quase sem se ferir. Tomando conta de tudo como se sempre estivesse ali.
Então assentiu com leve movimento da cabeça. Já sabia. Moraria ali mesmo essa menina. Como um sol que rasga o céu preenchendo a noite escura.

Segurou firme a boneca e correu para casa. Precisava avisar a mãe.

domingo, 28 de abril de 2013

Pés descalços

Eu quero a segurança de dias claros. Quero a sorte de pisar sem me ferir. Quero a certeza.
A garantia. Quero o contrato. A assinatura. O atestado de que estou agindo certo. No momento exato.
Mas o que nos resta são dois pés descalços ávidos por novos caminhos. Incertos. Obscuros. Desconhecidos. Irresistíveis.
O que nos resta é sempre juntar nossas partes e caminhar descalços na estrada que vai para dentro. Desconhecer. Despir a alma, o cansaço e a dor. Ver nascer a velha chama da vida. Do amor e da fé.
O que nos resta é a plenitude de uma vida mansa. Pacífica. Serena. Novos sonhos. Novas línguas. Novas pontes que nos ligarão ao interior dos próprios medos e dos mais íntimos desejos. A própria intimidade da alma solitária. Grata por caminhar descalça. Grata pelas cicatrizes e pelo tempo que passou vagando até se encontrar no espelho do seu próprio coração.

domingo, 3 de março de 2013

As aventuras de Pi

A primeira pessoa que me sugeriu "As aventuras de Pi" foi meu pai. Tiramos o maior sarro do pobre. Hoje estou aqui, publicamente, para dar o braço a torcer.O filme é, não só maravilhoso, de uma fotografia e trilha sonora fantásticas mas é também um filme muito sensível. 
A história é sobre um garoto que se muda com a família da Índia para o Canadá. O objetivo da mudança é a venda de alguns animais que possuíam em um zoológico e conseguirem renda suficiente para recomeçar a vida em outro país. A embarcação naufraga e Pi fica a deriva, em pleno oceano Pacífico com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala.Juntos, vivem experiências incríveis. A história do filme é bastante envolvente e nem vemos a hora passar. 
Claro que não vou contar, embora esteja inclinada a fazê-lo, o final da história mas, posso dizer algumas observações sobre o filme sem comprometer o enredo a quem ainda não teve a incrível oportunidade de assistir. Para mim, a história é de uma simbologia rica e extremamente sensível. Aborda a lealdade, o espírito de equipe, a competitividade e mudança de nossos valores quando vivenciamos situações extremas. Nossa crença em Deus em momentos de solidão, de tempestade e desespero. Aliás, é um filme sobre a solidão e o desespero que ela nos traz. Mas é também um filme sobre vida, esperança e principalmente sobre o nosso olhar para com as experiências.Sobre nossas escolhas íntimas em enxergarmos o mundo e as pessoas que nos cercam e acalentar a alma com um pouco de poesia, magia, imaginação e amor. 





 Super recomendo!

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Música para a Alma

Separei um espaço singelo para um projeto muito bacana, desenvolvido pela organização Brasil Piano Masters chamado Tribos. Esse projeto foi desenvolvido pelo pianista Hudson Souza em parceria com algumas produtoras como a Mixirica Filmes, Estudio Preto e Branco, Imago filmes e por alguns produtores independentes. O projeto consiste em uma associação da música clássica a outras formas de artes, criando diálogos entre elas e aproximando a arte erudita da popular por meio de oito vídeos. Gosto de piano e tenho um sonho secreto de aprender a tocar. Quando eu era pequena admirava muito essa habilidade em minhas primas, que tocavam lindamente. E esse projeto, dotado de extrema sensibilidade nos aproxima da arte, do músico e das belezas inerentes a nossa alma. Seguem os dois vídeos que mais apreciei. Espero que gostem! segue o link oficial: http://www.brasilpianomasters.art.br/

Django Livre


Não tenho a menor pretensão de escrever uma crítica a um filme de Tarantino...não tenho bala na agulha para isso. Mas......segue minha singela observação sobre seu último trabalho: Django livre.

O filme conta a história de Django (Jamie Foxx), um escravo, que é comprado pelo Dr. King Shultz, um caçador de recompensas alemão (Chritoph Waltz) para auxiliá-lo a cumprir uma tarefa de localizar e matar pessoas e, claro, obter a recompensa desejada.
Acontece que os dois se tornam amigos e Dr. Shultz parte com Django em busca de sua esposa Broohmilda, que foi vendida para a maior propriedade produtora de algodão do local. 
São muitos os motivos que me fazem gostar de Tarantino. A trilha sonora maravilhosamente selecionada para compor a amplitude de sensações que temos enquanto estamos no cinema. O seu toque de humor. Mas não aquele humor escancarado beirando a obviedade. Um humor cínico, ácido e quase sutil.
Os diálogos longos e profundos. Várias e várias cenas desses mesmos diálogos excepcionalmente bem escritos e interpretados. E é exatamente o desenrolar desses diálogos que torna o filme tenso do início ao fim. Não a história sobre a busca de uma escrava e da amizade entre dois homens tão diferentes, mas a complexidade das cenas, das provocações que ficam no ar, dos tapas na cara que recebemos com algumas frases que nos golpeiam sem misericórdia.


E dentre todos, talvez o motivo principal da minha admiração seja a vingança dos oprimidos. É incrível o poder desse tema sobre mim. O filme é contruído de forma impiedosa, de modo a não poupar o expectador de violência, de sangue, de sadismo e de crueldade até o limite da nossa tolerância. Perdi a conta de quantas vezes quis deixar a sala do cinema, com falta de ar e um ódio que me corroeu por dentro por assistir, impotente, as demonstrações de crueldade que tivemos com os escravos, em um tempo ali não muito distante.

Acredito que o filme tenha sido meticulosamente pensado e construído para gerar em nós exatamente esse ápice de emoções. Para nos preparar para o melhor. Para aquilo que, na verdade, todo mundo ou, a maioria de nós, deseja ver: a volta por cima do oprimido. E essa vingança é tão ou mais sanguinária que a própria demonstração de violência que a gerou, mas provoca em nós um processo de catarse tão extraordinário que beira o alívio.
Tarantino me proporciona uma vivência muito humana e próxima dos meus mais primitivos sentimentos e sensações, me levando ao inferno e me trazendo de volta a realidade quando me lembra que toda aquela experiência é, na verdade, mera ficção.

Super recomendo....